Capítulo 4 | Conselho Principal: Não Recuse
Ser Totalmente Humilhado
Tendo tratado amplamente da
natureza e razões da verdadeira humilhação, eu quero concluir com o conselho
que é minha principal intenção aqui: não recuse ser total e profundamente
humilhado. Não se canse da obra de humilhação do Espírito.
A aflição não é um convidado
bem-vindo à natureza humana; mas a graça pode achar razão para lhe dar boas-vindas.
A graça é sincera e não pode tomar consciência de impiedade sem se dispor a se
lamentar por isso. Há alguma coisa de Deus na tristeza piedosa, por isso a alma
a aceita, procura por ela e clama por ela. Sim, a alma até se entristece quando
não consegue mais se entristecer. Não que a tristeza, como tal, seja desejável,
mas como uma conseqüência necessária da nossa aflição por causa do pecado, e
como um antecedente necessário para a restauração que se seguirá.
Assim como podemos nos submeter à
própria morte com acalentada expectativa, porque ela é santificada para ser a
passagem para a glória, embora seja dolorosa em si mesma para a natureza
humana, assim muito mais nós podemos nos submeter à humilhação e ao
quebrantamento do coração com um santo desejo, porque ela é santificada para
que seja a entrada para o estado de graça.
A título de incentivo, considere
o que se segue:
1. A maior parte dos seus
sofrimentos ocorrerá apenas no início. Uma vez que você se estabeleça em um
caminho santo, você encontrará mais paz e conforto do que em qualquer outro
caminho que possa seguir. Eu sei que se você se envolver com o pecado
novamente, ele provocará mais sofrimento em você. Mas uma vida piedosa é uma
vida de retidão, conversão é um abandono do pecado e conseqüentemente um
abandono da causa dos sofrimentos. Você não pode suportar tais sofrimentos por
um pouco mais?
2. Considere de onde você está
vindo. Não é de um estado de ira? Onde você esteve todo este tempo, não foi sob
o poder de Satanás? O que você fez durante toda a sua vida, não foi se submeter
à escravidão do pecado, e ofender o seu Senhor, e destruir-se a si mesmo? Seria
próprio, seria razoável, seria sincero, vir de tal estado sem lamentar ter
permanecido por tanto tempo nele?
3. Considere, também, que a
humilhação é necessária a sua própria restauração e salvação. Você pensa que
cometeria tão grande excesso, e então seria curado sem nenhum propósito? Você
suportaria, para a saúde do seu corpo, o comprimido mais amargo, e o remédio
mais repugnante, a dieta mais rigorosa, e até retirar o seu sangue, porque sabe
que a sua vida depende disto e não há outro remédio. Não deveria você, então,
suportar, para a salvação da sua alma, os sofrimentos mais amargos, as
reprimendas mais duras, as confissões mais francas, e a abundância de lágrimas?
O pecado não será vencido de modo mais fácil, o “eu” não será conquistado de
outra maneira, o coração do pecado não será quebrado, até que o seu coração
seja quebrado.
Nós sabemos que não há nenhum
mérito em seus sofrimentos, e que não são eles que farão com que Deus perdoe
seus pecados. Nem tão pouco a sua tristeza é requerida por ser o sangue de
Cristo insuficiente. Mas ela é parte do fruto do Seu sangue sobre a sua alma.
Se o sangue Dele não derreter e quebrar o seu coração, você não tem parte Nele.
É preciso que você lamente por Aquele que você traspassou, e este fruto do Seu
sangue é um preparativo para mais. É tão impossível você ser salvo sem fé, como
sem arrependimento e humilhação.
Considere quanta ruindade havia
nas suas obras; poderia você ser grato por isso? Quem foi que o trouxe a essa
necessidade de sofrimento? Você passou toda a sua vida abusando da sua
natureza, e causando o seu próprio mal, e agora você tem má vontade para com o
transtorno necessário para a sua cura? A quem você acusaria, e em quem
encontraria falta, senão em você mesmo? Não foi você quem pecou? Não foi você
quem alimentou o fogo do seu sofrimento e semeou as sementes deste fruto
amargo, e acariciou a causa dos seus próprios transtornos? Não foi Deus quem
fez isto, foi você mesmo. Ele quer apenas desfazer aquilo que você fez. Não
tenha, portanto, má vontade para com o Seu médico, se você precisa ser purgado,
sangrado, e tem que passar pela mais rigorosa dieta, mas “agradeça” a si mesmo
o ter que passar por isto.
4. Considere também que você tem
um sábio e meigo médico, o qual conheceu Ele mesmo o que são a tristeza e o
sofrimento, pois por sua causa Ele foi feito um homem de dores[16], e,
portanto, pode se compadecer daqueles que estão em sofrimento. Ele não se
deleita no seu sofrimento e dores, mas na sua cura e subseqüente consolação.
Por conseguinte, você pode estar seguro de que Ele o tratará da maneira mais
gentil e moderada, e não colocará sobre você mais do que o necessário para o seu
próprio bem, nem lhe dará um cálice mais amargo do que a sua doença o requeira.
Quando Ele mostra a sua grande
simpatia para com o contrito, é para que possa vivificar o seu coração. Além
disto, Ele diz: “não contenderei para sempre, nem me indignarei continuamente;
porque do contrário o espírito definharia diante de Mim e o fôlego da vida que
Eu criei”[17]... Ele chama para Si “todos os que estão cansados e
sobrecarregados, e Eu os aliviarei”[18]. Ele foi enviado para curar os
quebrantados de coração; proclamar libertação aos cativos; para recobrar a
vista aos cegos e para pôr em liberdade os algemados. Quando Ele quebrar o seu
coração, Ele também o unirá da forma mais terna e segura do que você possa
razoavelmente desejar.
Até mesmos os seus ministros,
quando se esforçam para quebrar o coração de vocês, e humilhar vocês até o pó,
não têm outro propósito que não o de trazê-los a Cristo, à vida e ao conforto.
Embora eles fiquem felizes em ver os olhos chorosos dos seus ouvintes e em
ouvir as suas confissões e lamentações, ainda assim, não é porque eles tenham
prazer nas suas aflições, mas porque antevêem os seus frutos de salvação. Eles
sabem ser isto necessário para a paz eterna de vocês. Você pode ler quais são
os pensamentos deles nas palavras de Paulo: “Agora me alegro, não porque fostes
contristados, mas porque fostes contristados para arrependimento; pois fostes
contristados segundo Deus, para que de nossa parte nenhum dano sofrêsseis,
pois a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação que a
ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte. Porque quanto cuidado
não produziu isto mesmo em vós que segundo Deus fostes contristados! Que
defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo, que vindita!”[19].
A verdade é que nem Cristo, nem
seus ministros têm aquele amor tolo e apaixonado por vocês, e piedade de vocês,
como vocês têm por si mesmos. Eles não são tão dóceis, a ponto de evitar que
sofram as tristezas que são necessárias para livrá-los do inferno. Não
obstante, eles não colocariam sobre vocês mais tristezas do que é necessário,
nem têm vocês experimentado uma gota de vinagre ou fel, ou derramado uma
lágrima, a não ser que tenha servido para o vosso conforto e salvação.
5. Considere também que
sofrimentos são aqueles que os presentes sofrimentos evitam, e que sofrimentos
serão aqueles no inferno, os quais são evitados por estes sofrimentos que vêm
de Deus, na terra. Comparados com os sofrimentos do inferno, os sofrimentos do
arrependimento são alegrias. Os seus sofrimentos produzem esperança, mas os
sofrimentos daqueles que perecem no inferno conduzem ao desespero. Os seus
sofrimentos são pequenos e não mais do que uma gota, comparados com o oceano
deles. Os seus curam, mas os deles atormentam. Os seus são a vara de um pai,
mas os deles são instrumentos de tortura e forcas. Os seus estão misturados com
amor, mas o deles não, antes oprimem-nos em confusão. Os seus são curtos, mas
os deles não têm fim. Você preferiria o sofrimento deles, em vez do sofrimento
que vem de Deus? Preferiria você uivar com os demônios e rebeldes, do que
chorar com os santos e filhos? Preferiria você ser quebrado no inferno por
tormentos, do que na terra pela graça?
Não é algo razoável de sua parte
rebelar-se por causa dos sofrimentos que acabarão por salvá-lo, se você lembrar
do que eles irão salvá-lo e do que sofrem todos aqueles que não são humilhados
aqui pela graça! O quão diferente é o sofrimento que outros estão agora
suportando. Não resmungue por causa da abertura de uma veia enquanto que muitos
milhares estão agora sangrando até o coração.
6. Considere também que quanto
mais você for corretamente humilhado, mais doce Cristo e todas as suas
misericórdias serão para você enquanto viver. Uma prova do amor de Cristo fará
com que você bendiga aqueles sofrimentos que o prepararam para isto. O próprio
Cristo não é igualmente valorizado, nem mesmo por todos aqueles que Ele
salvará. Não deveria você ser antes esvaziado de você mesmo mais e mais, para
que seja mais cheio de Cristo daqui em diante? Quando você sentir os Seus
braços envolvendo-o, e vê-Lo naquela postura em que se encontrava o pai do
filho pródigo, você agradecerá àqueles sofrimentos que o habilitaram para os
Seus braços.
Se você for totalmente humilhado,
viverá todos os seus dias de modo muito mais seguro. A humilhação lhe fará
odiar o pecado, por causa do qual você veio a sentir dor aguda, e lhe fará
fugir de ocasiões que lhe foram tão caras.
O pecado do orgulho é um dos
pecados mais mortais e danosos no mundo; e é a razão de milhares de mestres
serem mal sucedidos. A humilhação é totalmente contrária a ele, e, portanto,
precisa ser algo bem-vindo e desejável. Valeria a pena suportar todo o
sofrimento que cem homens suportam aqui para salvá-lo deste perigoso pecado do
orgulho.
7. Uma humilhação profunda é
usualmente um sinal de uma maior exaltação futura. “Porque quem a si mesmo se
exaltar, será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar, será exaltado”[20].
“Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que Ele em tempo
oportuno vos exalte”[21].
Quanto mais alto um homem
pretenda construir, mais profundamente ele deve cavar para fazer o alicerce. As
suas consolações serão provavelmente maiores quanto maiores forem seus
sofrimentos. Você pode livrar-se daquelas hesitações que acompanham outros por
todos os seus dias e que acabam fazendo com que nunca sejam verdadeiramente
humilhados. Você não precisa estar ainda questionando, ou arrancando seus
alicerces, como se você tivesse que começar tudo novamente. Se muitas coisas
concorrem para o seu sofrimento, isto é um sinal de que você poderá ser
grandemente usado. Paulo deve ter sido humilhado profundamente na sua
conversão, a fim de que pudesse ser habilitado como um “instrumento escolhido
para levar o Meu nome perante os gentios e reis”[22] .
Coloque tudo isto diante de você,
e considere quantos motivos você tem para acalentar a obra de humilhação da
graça, e não, ao invés disso, apagá-la.
Quando o seu coração começar a se
afligir por causa do pecado, não procure a companhia dos tolos para beber ou se
distrair, com o propósito de se esquecer da aflição do pecado. Não expulse
estes sentimentos da sua mente, como se fossem indesejáveis, como se eles
houvessem vindo para magoá-lo. Mas fique sozinho, e considere o assunto, e de
joelho, em secreto, clame ao Senhor para visitá-lo e para quebrar o seu coração
e para prepará-lo para estas consolações salvadoras, para que não o deixe neste
Mar Vermelho, mas traga-o à outra margem e coloque em sua boca os cânticos de
louvor.
* Digitado e revisado por Emir
Bemerguy Filho.
[1] Versão on-line do livro
Richard Baxter, Quebrantamento: Espírito de Humilhação, 2 ed., trad. Paulo R.
B. Anglada (Belém-PA: Editora Classicos Evangélicos, 1991). Direitos da
traduçào reservados.
[2] Esta é a introdução ao livro
inteiro: Direções e Persuasões para uma Conversão Segura (Directions and
Persuasions to a Sound Conversion)
[3] Is 29:13 | [4] 1 Jo 2:19 | [5] 2 Pe 1:1O | [6] Pv 5:3-5 | [7] Rm 8:2 | [8] Lc 15:18,19 | [9] Lc 18:13 | [10] 1 Pe 5:5 | [11] Sl 138:6 | [12] Is 57:15 | [13] Is 66:2 | [14] Sl 34:18 | [15] Sl 51:17 | [16] Is 53:3 | [17] Is 57:16 | [18] Mt 11:28 | [19] 2 Cor 7:9-11 | [20] Mt 23:12 | [21] 1 Pe 5:6 |[22] At 9:15
www.monergismo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário