Estas páginas são uma tradução de um dos capítulos do livro
do Rev. Richard Baxter, intitulado Direções e Persuasões para uma Conversão
Segura (Directions and Persuasions to a Sound Conversion). Dentre as doze
instruções que ele fornece no livro, a fim de que uma conversão não venha a ser
abortada, mas sim firme, segura, sólida e saudável, a quarta, aqui traduzida, é
a seguinte: “Atente para que a obra de humilhação seja feita de modo completo,
e não fuja do Espírito de contrição antes que Ele complete Sua obra em você”.
O capítulo é, portanto, um tratado sobre quebrantamento,
sobre a obra de humilhação que o Espírito quer realizar no entendimento,
vontade e sentimentos de um pecador, a fim de habilitar seu coração a receber a
Cristo com a solicitude e dignidade imprescindíveis, porque Cristo, escreve
Richard Baxter, “não virá através da Sua graça salvadora à alma, para ser
recebido ali com desprezo: porque Ele veio na carne com o propósito de ser
humilhado, mas veio no Espírito com o propósito de ser exaltado”.
O Rev. Richard Baxter foi um conhecido pastor reformado, o
qual viveu na Inglaterra durante o século XVII (1615-1691). Era um
não-conformista, que tentou reformar a Igreja da Inglaterra, sendo muitas vezes
preso por isso. Dentre os seus livros mais importantes estão: O Pastor
Reformado, O Descanso Eterno dos Santos, A Vida Divina, Um Tratado sobre a
Conversão, Um Apelo ao não Convertido, Agora ou Nunca, e muitos outros
clássicos evangélicos.
Os escritos, a pregação e a vida de Richard Baxter
produziram um inegável reavivamento espiritual na cidade de Kidderminster, onde
realizou o seu ministério. Quando ele chegou à cidade, eram poucos os crentes e
duvidosas as suas conversões. Algum tempo depois, entretanto, o templo de sua
igreja teve que ser aumentado - ainda assim não comportava mais as pessoas, que
escalavam as janelas para ouvir suas pregações. Muitas ruas da cidade tiveram
todos os seus moradores convertidos: podia-se ouvir centenas de pessoas
cantando hinos de louvor a Deus em plena rua; e as conversões davam provas
suficientes de serem sinceras e profundas.
O propósito da Editora Clássicos Evangélicos [1], como o
próprio nome indica, é traduzir e editar obras (sermões, biografias, obras
práticas e teológicas) de homens de reconhecida estatura espiritual dos períodos
mais gloriosos da História da Igreja, tais como: Jonathan Edwards, John Owen,
Richard Sibbes, Thomas Goodwin, mais recentemente Martyn Lloyd-Jones, e outros,
como o volume aqui apresentado de Richard Baxter, que introduz a série.
Vemos os escritos desses irmãos do passado como um tesouro
espiritual valiosíssimo, mas ao mesmo tempo perdido ou quase inacessível aos
leitores brasileiros. Desejamos resgatar alguns desses tesouros e compartilhar
suas jóias (conselhos, interpretações, ensinos, experiências, luz e calor),
tornando-os mais acessíveis.
O Editor
Introdução [2]
A firmeza da conversão e santificação é uma consideração tão
importante que o nosso cuidado e diligência em confirmá-las não podem ser
demasiadamente grandes. Tanto os ateístas professos, pagãos e infiéis lá fora,
como os hipócritas auto-enganadores dentro da igreja, entregam-se
deliberadamente à ruína eterna ao negligenciarem tal assunto de conseqüência
eterna, enquanto têm tempo, advertência e assistência para considerarem a questão
com urgência. Multidões vivem como brutos ou ateístas, esquecendo-se de que são
nascidos em pecado e miséria, deliberadamente acomodados nesta situação, os
quais devem ser convertidos, ou serão condenados. Muitos deles não sabem a
necessidade que têm de conversão, nem o que é conversão ou santificação. Além
disso, alguns pregadores do Evangelho têm sido tão lamentavelmente ignorantes
quanto a um assunto de tal importância que têm persuadido o pobre e iludido
povo de que apenas os pecadores grosseiros e odiosos necessitam de conversão,
dessa forma prometendo salvação àqueles, aos quais Cristo, com muitas
asseverações, declarou que não entrariam no reino de Deus. Outros, embora
confessem que uma profunda santificação é algo necessário, iludem suas almas com
alguma coisa que apenas se assemelha a isso.
Aí está a causa da miséria e desonra da igreja. A própria
santidade é desonrada por causa dos pecados daqueles que, se dizendo santos,
pretextam aquilo que não têm. Por isso, temos milhares que se chamam cristãos
vivendo uma vida mundana e carnal; alguns deles odiando o caminho da piedade,
pensando, contudo, que são convertidos por sentirem alguma tristeza quando
pecam; desejam, quando o pecado já é passado, que não houvesse acontecido
aquilo, imploram a misericórdia de Deus por isso, e se confessam pecadores.
Isto, eles tomam por verdadeiro arrependimento; embora o pecado nunca tenha
sido mortificado nas suas almas, nem os seus corações tenham sido levados a
odiar e abandonar o pecado. Após haverem usufruído e se deleitado no pecado,
ficam tristes por causa do perigo, mas nunca são regenerados e feitos novas
criaturas pelo Espírito de Cristo.
É por isso, também, que temos tanta abundância de meros
“opinionistas”, que se consideram pessoas religiosas porque mudaram de opinião
ou de denominação, porque podem tagarelar contenciosamente contra aqueles que
não pensam como eles, e porque se unem àqueles que parecem ser os mais
piedosos, assim assumindo serem realmente santificados. Isto promove tamanho
corre-corre de uma opinião à outra, e tal reprovação, injúria, e divisões, pelo
seguinte: a religião deles consiste especialmente nas suas opiniões, sendo que
nunca mortificaram suas inclinações e paixões carnais e egoístas. Isto sim,
produziria neles uma mente santa e celestial.
Por isso também há tantos mestres licenciosos, os quais
parecem ser religiosos, mas que não refreiam suas línguas, seus apetites, suas
cobiças, sendo antes escarnecedores, caluniadores, beberrões, glutões, imundos
e lascivos, ou de algum modo escandalosos para a sua santa profissão, porque
desconhecem uma real conversão e apegam-se a uma mudança falsa ou superficial.
Esta é a razão pela qual há tantos mundanos que se
consideram homens religiosos, os quais fazem de Cristo apenas um servo dos seus
interesses mundanos, e buscam os céus apenas como uma reserva para quando nada
mais lhes restar na terra, e são apegados a certas coisas deste mundo, as quais
lhes são tão queridas, a ponto de não poderem abandoná-las pela esperança da
glória; mas entregam-se a Cristo com secretas exceções e reservas, por causa de
sua prosperidade no mundo. Tudo isso porque nunca conheceram uma conversão
genuína, a qual deveria ter arrancado dos seus corações este interesse mundano,
e tê-los libertado inteira e absolutamente para Cristo.
É por isso também que há tão poucos mestres que podem
desvencilhar-se do seu orgulho, suportar desconsideração ou ofensa, amar os
seus inimigos, e abençoar aqueles que os amaldiçoam; sim, ou amar seus amigos
piedosos que os irritam ou desonram; e tão poucos que podem negar a si mesmos
pela honra de outros, ou fazer qualquer coisa considerável por amor a Cristo,
em obediência e conformidade com a Sua vontade. E tudo isso, porque nunca
experimentaram esta transformação salvadora, que rebaixa o “eu”, e estabelece a
Cristo como soberano na alma.
Aí está também a razão pela qual se observa, atualmente,
tanto exemplo terrível de apostasia. Tantos ultrajando a Escritura, que pensam
um dia tê-los convertido; ultrajando o caminho da santidade, o qual um dia
professaram; negando o próprio Senhor que os comprou; e tudo porque
anteriormente se apegaram a uma conversão superficial e falsa.
Oh, quão comumente, e quão lamentavelmente esta miséria se
manifesta entre os mestres, nos seus discursos insípidos, nas suas contendas e
invejas, nas suas pretensões religiosas, nas suas formalidades mortas e
divisões impetuosas, ou nas suas mentes egoístas, soberbas e carnais! Uma
conversão genuína teria curado tudo isso, ou, pelo menos, curado do domínio
dessas coisas.
Assim sendo, tendo no meu livro “Apelo ao Não Convertido”
(Call to lhe Unconverted) me esforçado no sentido de despertar almas descuidadas,
e persuadir os obstinados a se voltarem para Deus a fim de que vivam, eu aqui
me dirijo àqueles que parecem estar sob a obra de conversão. Tenciono dar-lhes
algumas direções e persuasões para preveni-los de virem a perecer no
nascimento, e, assim, prevenir a hipocrisia, na qual, provavelmente, se
formarão. Prevenir também o engano de seus corações, o engano nas suas vidas, e
a miséria na hora da morte, coisas estas, que provavelmente se seguiriam, para
que não vivam como aqueles que honram a Deus com a sua boca e com os seus
lábios, mas o seu coração não está correto diante Dele, nem são firmes à Sua
aliança[3]. Para que, por não se entregarem a uma consideração profunda, nem
enraizarem a semente de vida, ou por abafarem-na com um amor e cuidado predominantes
pelo mundo, venham a secar quando o fogo da perseguição surgir. Para que,
edificando sobre a areia, não venham a cair quando os ventos e as tempestades
se levantarem, e a sua ruína seja grande, e assim “Saiam do nosso meio, a fim
de que se manifeste que não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos
nossos, teriam permanecido conosco”.[4]
Atentem, portanto, para esta grande e importante questão, e
“procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e
eleição”,[5] e não dêem crédito aos seus corações tão fácil e confiantemente;
“mas voltem-se para o Senhor de todo o seu coração”. Apeguem-se a Ele
resolutamente e com propósito de coração, e atentem a fim de que vendam tudo,
comprem a pérola, e não hesitem diante do preço, mas se rendam totalmente a
Cristo, e voltem-se para Ele - como fez Zaqueu e outros convertidos da igreja
primitiva - renunciando a tudo o que não tem a Sua vontade.
Não deixem que nenhuma raiz de amargura permaneça; não façam
exceções ou reservas; mas neguem-se a si mesmos; abandonem tudo, e sigam Aquele
que os tem guiado a este caminho de autonegação; e confiem no Seu sangue,
méritos e promessas, por um tesouro nos céus; e, assim, vocês serão Seus
discípulos, e cristãos de fato.
Leitor, se tu, de coração, tomares estas resoluções e as
guardares, descobrirás, que nas tuas situações mais críticas, Cristo não te
enganará, enquanto que o mundo engana aqueles que o escolhem. Mas, se
desistires, e pensares que estes termos são demasiadamente duros, lembra-te de
que a vida eterna te foi oferecida; e lembra-te por que, e pelo que a
rejeitaste. Se nesta vida terrena buscares o teu próprio benefício, espera ser
atormentado, enquanto que as almas crentes, as quais trilharam o caminho da
autonegação, estarão sendo confortadas.
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