segunda-feira, 30 de julho de 2012

Quebrantamento: Espírito de Humilhação | Rev. Richard Baxter | Prefácio

Estas páginas são uma tradução de um dos capítulos do livro do Rev. Richard Baxter, intitulado Direções e Persuasões para uma Conversão Segura (Directions and Persuasions to a Sound Conversion). Dentre as doze instruções que ele fornece no livro, a fim de que uma conversão não venha a ser abortada, mas sim firme, segura, sólida e saudável, a quarta, aqui traduzida, é a seguinte: “Atente para que a obra de humilhação seja feita de modo completo, e não fuja do Espírito de contrição antes que Ele complete Sua obra em você”.

O capítulo é, portanto, um tratado sobre quebrantamento, sobre a obra de humilhação que o Espírito quer realizar no entendimento, vontade e sentimentos de um pecador, a fim de habilitar seu coração a receber a Cristo com a solicitude e dignidade imprescindíveis, porque Cristo, escreve Richard Baxter, “não virá através da Sua graça salvadora à alma, para ser recebido ali com desprezo: porque Ele veio na carne com o propósito de ser humilhado, mas veio no Espírito com o propósito de ser exaltado”.

O Rev. Richard Baxter foi um conhecido pastor reformado, o qual viveu na Inglaterra durante o século XVII (1615-1691). Era um não-conformista, que tentou reformar a Igreja da Inglaterra, sendo muitas vezes preso por isso. Dentre os seus livros mais importantes estão: O Pastor Reformado, O Descanso Eterno dos Santos, A Vida Divina, Um Tratado sobre a Conversão, Um Apelo ao não Convertido, Agora ou Nunca, e muitos outros clássicos evangélicos.

Os escritos, a pregação e a vida de Richard Baxter produziram um inegável reavivamento espiritual na cidade de Kidderminster, onde realizou o seu ministério. Quando ele chegou à cidade, eram poucos os crentes e duvidosas as suas conversões. Algum tempo depois, entretanto, o templo de sua igreja teve que ser aumentado - ainda assim não comportava mais as pessoas, que escalavam as janelas para ouvir suas pregações. Muitas ruas da cidade tiveram todos os seus moradores convertidos: podia-se ouvir centenas de pessoas cantando hinos de louvor a Deus em plena rua; e as conversões davam provas suficientes de serem sinceras e profundas.

O propósito da Editora Clássicos Evangélicos [1], como o próprio nome indica, é traduzir e editar obras (sermões, biografias, obras práticas e teológicas) de homens de reconhecida estatura espiritual dos períodos mais gloriosos da História da Igreja, tais como: Jonathan Edwards, John Owen, Richard Sibbes, Thomas Goodwin, mais recentemente Martyn Lloyd-Jones, e outros, como o volume aqui apresentado de Richard Baxter, que introduz a série.

Vemos os escritos desses irmãos do passado como um tesouro espiritual valiosíssimo, mas ao mesmo tempo perdido ou quase inacessível aos leitores brasileiros. Desejamos resgatar alguns desses tesouros e compartilhar suas jóias (conselhos, interpretações, ensinos, experiências, luz e calor), tornando-os mais acessíveis.

O Editor
 
Introdução [2]

A firmeza da conversão e santificação é uma consideração tão importante que o nosso cuidado e diligência em confirmá-las não podem ser demasiadamente grandes. Tanto os ateístas professos, pagãos e infiéis lá fora, como os hipócritas auto-enganadores dentro da igreja, entregam-se deliberadamente à ruína eterna ao negligenciarem tal assunto de conseqüência eterna, enquanto têm tempo, advertência e assistência para considerarem a questão com urgência. Multidões vivem como brutos ou ateístas, esquecendo-se de que são nascidos em pecado e miséria, deliberadamente acomodados nesta situação, os quais devem ser convertidos, ou serão condenados. Muitos deles não sabem a necessidade que têm de conversão, nem o que é conversão ou santificação. Além disso, alguns pregadores do Evangelho têm sido tão lamentavelmente ignorantes quanto a um assunto de tal importância que têm persuadido o pobre e iludido povo de que apenas os pecadores grosseiros e odiosos necessitam de conversão, dessa forma prometendo salvação àqueles, aos quais Cristo, com muitas asseverações, declarou que não entrariam no reino de Deus. Outros, embora confessem que uma profunda santificação é algo necessário, iludem suas almas com alguma coisa que apenas se assemelha a isso.

Aí está a causa da miséria e desonra da igreja. A própria santidade é desonrada por causa dos pecados daqueles que, se dizendo santos, pretextam aquilo que não têm. Por isso, temos milhares que se chamam cristãos vivendo uma vida mundana e carnal; alguns deles odiando o caminho da piedade, pensando, contudo, que são convertidos por sentirem alguma tristeza quando pecam; desejam, quando o pecado já é passado, que não houvesse acontecido aquilo, imploram a misericórdia de Deus por isso, e se confessam pecadores. Isto, eles tomam por verdadeiro arrependimento; embora o pecado nunca tenha sido mortificado nas suas almas, nem os seus corações tenham sido levados a odiar e abandonar o pecado. Após haverem usufruído e se deleitado no pecado, ficam tristes por causa do perigo, mas nunca são regenerados e feitos novas criaturas pelo Espírito de Cristo.

É por isso, também, que temos tanta abundância de meros “opinionistas”, que se consideram pessoas religiosas porque mudaram de opinião ou de denominação, porque podem tagarelar contenciosamente contra aqueles que não pensam como eles, e porque se unem àqueles que parecem ser os mais piedosos, assim assumindo serem realmente santificados. Isto promove tamanho corre-corre de uma opinião à outra, e tal reprovação, injúria, e divisões, pelo seguinte: a religião deles consiste especialmente nas suas opiniões, sendo que nunca mortificaram suas inclinações e paixões carnais e egoístas. Isto sim, produziria neles uma mente santa e celestial.

Por isso também há tantos mestres licenciosos, os quais parecem ser religiosos, mas que não refreiam suas línguas, seus apetites, suas cobiças, sendo antes escarnecedores, caluniadores, beberrões, glutões, imundos e lascivos, ou de algum modo escandalosos para a sua santa profissão, porque desconhecem uma real conversão e apegam-se a uma mudança falsa ou superficial.

Esta é a razão pela qual há tantos mundanos que se consideram homens religiosos, os quais fazem de Cristo apenas um servo dos seus interesses mundanos, e buscam os céus apenas como uma reserva para quando nada mais lhes restar na terra, e são apegados a certas coisas deste mundo, as quais lhes são tão queridas, a ponto de não poderem abandoná-las pela esperança da glória; mas entregam-se a Cristo com secretas exceções e reservas, por causa de sua prosperidade no mundo. Tudo isso porque nunca conheceram uma conversão genuína, a qual deveria ter arrancado dos seus corações este interesse mundano, e tê-los libertado inteira e absolutamente para Cristo.

É por isso também que há tão poucos mestres que podem desvencilhar-se do seu orgulho, suportar desconsideração ou ofensa, amar os seus inimigos, e abençoar aqueles que os amaldiçoam; sim, ou amar seus amigos piedosos que os irritam ou desonram; e tão poucos que podem negar a si mesmos pela honra de outros, ou fazer qualquer coisa considerável por amor a Cristo, em obediência e conformidade com a Sua vontade. E tudo isso, porque nunca experimentaram esta transformação salvadora, que rebaixa o “eu”, e estabelece a Cristo como soberano na alma.

Aí está também a razão pela qual se observa, atualmente, tanto exemplo terrível de apostasia. Tantos ultrajando a Escritura, que pensam um dia tê-los convertido; ultrajando o caminho da santidade, o qual um dia professaram; negando o próprio Senhor que os comprou; e tudo porque anteriormente se apegaram a uma conversão superficial e falsa.

Oh, quão comumente, e quão lamentavelmente esta miséria se manifesta entre os mestres, nos seus discursos insípidos, nas suas contendas e invejas, nas suas pretensões religiosas, nas suas formalidades mortas e divisões impetuosas, ou nas suas mentes egoístas, soberbas e carnais! Uma conversão genuína teria curado tudo isso, ou, pelo menos, curado do domínio dessas coisas.

Assim sendo, tendo no meu livro “Apelo ao Não Convertido” (Call to lhe Unconverted) me esforçado no sentido de despertar almas descuidadas, e persuadir os obstinados a se voltarem para Deus a fim de que vivam, eu aqui me dirijo àqueles que parecem estar sob a obra de conversão. Tenciono dar-lhes algumas direções e persuasões para preveni-los de virem a perecer no nascimento, e, assim, prevenir a hipocrisia, na qual, provavelmente, se formarão. Prevenir também o engano de seus corações, o engano nas suas vidas, e a miséria na hora da morte, coisas estas, que provavelmente se seguiriam, para que não vivam como aqueles que honram a Deus com a sua boca e com os seus lábios, mas o seu coração não está correto diante Dele, nem são firmes à Sua aliança[3]. Para que, por não se entregarem a uma consideração profunda, nem enraizarem a semente de vida, ou por abafarem-na com um amor e cuidado predominantes pelo mundo, venham a secar quando o fogo da perseguição surgir. Para que, edificando sobre a areia, não venham a cair quando os ventos e as tempestades se levantarem, e a sua ruína seja grande, e assim “Saiam do nosso meio, a fim de que se manifeste que não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco”.[4]

Atentem, portanto, para esta grande e importante questão, e “procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição”,[5] e não dêem crédito aos seus corações tão fácil e confiantemente; “mas voltem-se para o Senhor de todo o seu coração”. Apeguem-se a Ele resolutamente e com propósito de coração, e atentem a fim de que vendam tudo, comprem a pérola, e não hesitem diante do preço, mas se rendam totalmente a Cristo, e voltem-se para Ele - como fez Zaqueu e outros convertidos da igreja primitiva - renunciando a tudo o que não tem a Sua vontade.

Não deixem que nenhuma raiz de amargura permaneça; não façam exceções ou reservas; mas neguem-se a si mesmos; abandonem tudo, e sigam Aquele que os tem guiado a este caminho de autonegação; e confiem no Seu sangue, méritos e promessas, por um tesouro nos céus; e, assim, vocês serão Seus discípulos, e cristãos de fato.

Leitor, se tu, de coração, tomares estas resoluções e as guardares, descobrirás, que nas tuas situações mais críticas, Cristo não te enganará, enquanto que o mundo engana aqueles que o escolhem. Mas, se desistires, e pensares que estes termos são demasiadamente duros, lembra-te de que a vida eterna te foi oferecida; e lembra-te por que, e pelo que a rejeitaste. Se nesta vida terrena buscares o teu próprio benefício, espera ser atormentado, enquanto que as almas crentes, as quais trilharam o caminho da autonegação, estarão sendo confortadas.


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